Conheci o Aikido convidado por um amigo a participar da aula que inauguraria um novo Dojo na cidade de Santos. À época eu já treinava Judo e Karate, mas me encantei com a sensação de leveza e soltura em meu corpo, após a prática. Decidi pesquisar mais e conhecer melhor essa Arte tão diferente de tudo que eu conhecia. Foi então que Kawai Sensei veio fazer a demonstração inaugural e imediatamente eu compreendi que havia encontrado tudo o que buscava: um Caminho, e um Mestre.

Apesar do Dojo funcionar próximo de onde eu morava, distante somente algumas quadras de minha casa, já que Santos e São Vicente, onde eu residia, são quase a mesma cidade, eu queria “beber da fonte” e passei a frequentar o Dojo de Kawai Sensei, em São Paulo, para onde me deslocava todos os finais de semana.

O ano era 1975 e a ida ao Dojo começava às 6h da manhã de sábado, porque eu tinha que assistir aulas do colégio onde cursava o ensino médio antes de poder viajar. Terminando as aulas eu me atirava numa corrida até o local de embarque no ônibus para São Paulo. Lá precisava pegar dois ônibus e correr mais dois quilômetros, para não me atrasar. Apesar de chegar sempre exausto e faminto, com livros, mochila e boken (espada de madeira) na mão, jamais faltei ou me atrasei, nos 2 anos e 3 meses em que mantive esse ritmo. Para afastar o cansaço eu me atirava aos treinos com muita energia, depois ia ao Templo Soto Zen Shu de São Paulo, praticar mais uma hora de Zazen (meditação). Somente então, às 20h30, é que eu comeria novamente, geralmente um takuan (nabo em conserva de soja), sentado num banco da Praça da Liberdade. Depois voltava ao Dojo, e dormia no tatami, pois o domingo começava com treino matinal, seguido das tarefas de manutenção e limpeza do jardim e do prédio do Dojo. Após o almoço, geralmente um Lamen, sempre havia um Jiu Waza (treino livre) com Kawai Sensei, que durava de trinta minutos a uma hora, seguido de práticas com bastão e espada. À noite, eu retornava à São Vicente “moído”, mas feliz. Nas férias eu me mudava para o Dojo e vivia como uti-deshi (discípulo interno) de Kawai Sensei. Em setembro de 1977 eu recebi meu shodan (faixa preta 1º grau) e, uma vez concluído o ensino médio, mudei para São Paulo, para viver no Dojo e aprender com ele.

Após dois anos vivendo como uti-deshi e já cursando uma Faculdade, iniciei militância política no Movimento Estudantil. Vivíamos sob uma ditadura e eu temia que as minhas atividades prejudicassem ao Kawai Sensei, que tinha entre seus alunos e pacientes muitas autoridades e militares. Por isso me afastei dele e do Aikido por quatro anos, tempo em que me tornei Diretor do Centro dos Estudantes de Santos, Vice-Presidente Regional da União Estadual dos Estudantes de São Paulo e Presidente da Juventude do então MDB, em São Vicente.

Acreditei realmente na luta política como meio de transformar o mundo num lugar mais justo, fraterno e livre, mas compreendi que meu Caminho era através do Aikido e da Acupuntura. Uma vez derrotada a ditadura nas eleições de 1982, com a eleição de Governadores de oposição em todos os Estados, abandonei a militância e retornei ao Dojo de meu sensei.

Inicia-se então um período de seis anos como uti-deshi, dedicando-me exclusivamente ao Aikido e ao aprendizado de Medicina Oriental, com ele que era uma das maiores autoridades mundiais no assunto e com sua esposa, Da. Letícia Okubo Kawai. Pude enfim conhecer o enorme cabedal de ensinamentos e tradições que meu Mestre representava e perceber porque tão poucas pessoas souberam desfrutar disso, mesmo entre os praticantes de Aikido.


A disciplina e a obediência exigidas de um discípulo por Kawai Sensei seguiam os padrões dos samurais japoneses, um pouco demais para ocidentais acostumados a questionamentos e dúvidas baseados em perdas e ganhos e em julgamentos de valores. Demais até para alguns japoneses e nisseis que estudaram com ele, mas o abandonaram posteriormente.
 

Kawai Sensei era o que de mais original e nobre o Japão produziu entre os seus guerreiros, para o bem ou para o mal de nossa compreensão, feito do melhor e mais puro aço japonês. Permaneci como seu uti-deshi até 1989.
 

Tempos depois senti necessidade de testar a minha força longe da proteção acolhedora de meu Mestre e de minha família. Queria iniciar um novo território, desbravar um “novo mundo” e decidi sair de São Paulo, onde já dava aulas e atendia pacientes de Acupuntura. Kawai Sensei orientou-me a vir para Fortaleza, Ceará, e me tornei o primeiro de seus discípulos a vir para o Nordeste.
 

Cheguei em Fortaleza no dia 7 de outubro de 1991. Tornei-me o primeiro e mais antigo acupunturista desta Capital e o primeiro professor da Academia Central a vir para o Nordeste
 

Hoje a Federação Cearense de Aikido tem três Dojos em funcionamento, mais de cinquenta faixas pretas formados, três deles com 5º Dan e somos reconhecidos nacional e internacionalmente como uma Escola séria e respeitável, de alto nível técnico e disciplinar.

Realizamos treze Encontros Internacionais com Mestres que vieram da Sede Mundial do Aikido, Aikikai Hombu Dojo de Tóquio, e também de outras localidades do Japão, além de praticantes de diversos Estados brasileiros e países vizinhos.

O Aikido praticado pelos alunos da Federação Cearense de Aikido foi capa de matéria em um jornal japones de grande circulação já no ano de 2004, com destaque para o nível técnico, a educação e o respeito dos praticantes cearenses. Recebemos regularmente a visita dos principais Mestres e Instrutores e a nossa relação com o Hombu Dojo é cada dia mais estreita.
 

Os Instrutores da Federação Cearense de Aikido visitam o Japão a cada dois anos para o seu próprio aperfeiçoamento e para transmitir aos cearenses o Aikido original, o verdadeiro Aikido. 
 

Em 2001, na festa “Dez Anos de Arte da Paz na Terra da Luz”, Kawai sensei e eu fomos homenageados com uma Placa Comemorativa e Sessão Solene da Camara Municipal de Fortaleza.
 

Em 2008 foi a vez do Shihan Soji Seki (Ex-Instrutor Chefe e Diretor Técnico da Sede Mundial) ser Homenageado com Sessão Solene e Placa Comemorativa, pelos 18 anos de Aikido no Ceará no Centenário da Imigração Japonesa para o Brasil, juntamente comigo, pela Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.

Sinto que cumpri a promessa feita ao meu Sensei: plantar a semente do Aikido no Ceará e cuidar para que ela germinasse no caminho da mais pura tradição do Budo, talvez a mais difícil de se ver cumprida em nossos dias e por isso mesmo a mais valiosa: a fidelidade ao Mestre.